Ahmad Schabib Hany
JUVENAL ÁVILA, OUTRA REVELAÇÃO DO CONSÓRCIO
Seg, 26 Fevereiro de 2024 | Fonte: Ahmad Schabib Hany
Ainda ‘menor de idade’, Juvenal Ávila surpreendeu pela voz única e gosto musical apurado. Desenvolveu seu esquema próprio de apresentação das canções, de forma vanguardista, indicando, além do intérprete, o compositor e o gênero musical.
“Eu quero que você me ame / Que você me chame quando precisar / Eu quero saber ir embora / Sem ter dia e hora pra poder voltar / Eu quero enquanto o tempo passa / que você na raça / saiba me ganhar / Eu quero ter a vida inteira / Pra fazer besteira e você perdoar...” (Sérgio Bittencourt, ‘Eu quero’, 1974)
Esse foi um dos últimos sucessos do poeta e Jornalista Sérgio Bittencourt, filho de Jacó do Bandolim, também célebre autor de ‘Naquela mesa’, em que homenageia postumamente seu pai. Foi lançado em Corumbá praticamente ao mesmo tempo que nos grandes centros, graças à ousadia de um jovem radialista, fruto das oportunidades proporcionadas pelo Consórcio Corumbaense de Comunicação (CCC).
Diretor musical da Rádio Difusora Mato-grossense e apresentador titular de um programa noturno de grande audiência (nessa época a televisão não era competitiva), Juvenal Ávila de Oliveira intuitivamente se afirmava como expert de música popular brasileira. Ao mais breve lapso, lançava na Pioneira as canções e os intérpretes mais cativos do Brasil. O ambiente acolhedor da equipe, sem dúvida, contribuiu para o sucesso desses novos talentos, que surpreendiam colegas seus dentro e fora do Mato Grosso uno.
Ícones da MPB eram apresentados em diversas canções ao longo da grade de programação da Difusora, fazendo com que Corumbá estivesse no mesmo nível de vanguarda dos centros metropolitanos. Eram tocadas canções interpretadas/compostas por Gonzaguinha, Ivan Lins, Fafá de Belém, Alcione, Chico Buarque, Milton Nascimento, João Bosco e Aldir Blanc, Caetano Velloso, Gal Costa, Elis Regina, Nara Leão, Gilberto Gil, Vinícius de Moraes, João Nogueira, Milton Carlos, Tom Jobim, Miúcha, Toquinho, João Gilberto, Caymmi, Novos Baianos, Bethânia, Alceu Valença, Belchior, Simone, Martinho da Vila, Paulinho da Viola, Beth Carvalho, Luiz Ayrão, Benito Di Paula, Gonzaga, Geraldo Vandré, Sérgio Bittencourt, Jacó do Bandolim, Sérgio Ricardo, Pixinguinha, Noel Rosa, Edu Lobo, Baden Powell, Carlos Lira, Orlando Silva, Tito Madi, Raymundo Fagner, Antônio Carlos e Jocafi, Sá & Guarabira, Ney Matogrosso, Secos & Molhados, Carmen Miranda e outros não menos importantes.
No primeiro texto de regate da história do CCC, tratamos do talentoso poeta e Jornalista Edson Moraes, que depois de comunicador e repórter de rádio o generoso e incansável Jornalista Luiz Gonzaga Bezerra o lapidou como repórter investigativo e brilhante redator no carro-chefe do CCC, a Folha da Tarde, tendo sido titular da coluna No bolso do repórter, a seção mais lida do jornal.
Era tanta a juventude talentosa dessa geração, chamada ‘de ouro’, que outro colega saído da coirmã Rádio Clube de Corumbá, Juvenal Ávila (mais novo e dono de voz ‘aveludada’ comparada à do imortal Hélio Ribeiro, da Bandeirantes, de São Paulo) acabou migrando para a Rádio Difusora Mato-grossense. Talentos revelados havia muitos, tais como Gino Rondon, Jonas de Lima, Augusto Malah, Ronaldo Bardawil, Farid Yunes Solominy, Marília Rocha, Marluci Brasil, Luiz Antônio Fidélis, Ademir Lobo, Nelson Urt, Roberto Hernandes, João de Oliveira Neves e Ronaldo Ney, além dos citados Edson Moraes e Juvenal Ávila.
Corumbá nas décadas anteriores à divisão de Mato Grosso contava com uma plêiade de talentos na radiofonia (Jota Aguilar, Admar Amaral, César Augusto, Carvalho Sobrinho, Adolfo Rondon, Onofre Bueno da Silva, Antônio Ávila, Ângelo Vieira, Antônio Barcellos de Jesus, Pedro Gonçalves de Queiroz, Domingos Vieira Filho, Lalá Quidá etc), no Jornalismo (Renato Baez, Carlos Paulo Pereira, Jorcêne José Martínez, Clarimer da Meira Navarro, José Ignácio da Silva Neto, José Feliciano Batista Neto, Amir Fernandes, Nelson Dias de Rosa etc) e nos diversos gêneros da cultura (Clio Proença, Rubens de Castro, Gabriel Vandoni de Barros, Manoel de Barros, Wega Nery, Jorapimo, Antonio Burgos, Hebe Lacerda, Rubén Darío Román, Nancy Lima Baptista, João Lisboa de Macedo, Corina Maciel Chamma, Lécio Gomes de Souza, Fadah Scaff Gattass, Cleto Leite de Barros, Edy Assis de Barros, Lincoln Gomes de Souza, Salomão Baruki, Magali de Souza Baruki, Zenno Sim, Augusto César Proença, Dilermando Luiz Ferra, Valmir Batista Corrêa, Gilberto Luiz Alves, Lúcia Salsa Corrêa, Marlene Mourão, Leonides Justiniano, Geraldo Roca, Islândio de Jesus, Sandro Nemir, José Eloy, Nelson Mirrha, Juvenal Castelo Branco, João Carretoni, Tadeu Vicente Atagiba, Ênio Conturbia, Calixto dos Santos Gonçalves, Norma Atagiba, Geraldo Alexandre, Hélio Ferreira, Nilson Pereira de Albuquerque, Orlando Bejarano, Deneval Ribeiro Elias etc), bandas como MJ-6, Django e Arame Farpado e membros do Grupo ALEC, como Benedito C.G. Lima, Ângela Maria Pérez, Ângela Bulhões, Rubens Galharte, Balbino G. de Oliveira, Jadiel Araújo etc.
Juvenal Ávila ainda não era maior de idade, isso criava alguma saia-justa aos responsáveis pelos veículos. Era levado para cobrir eventos de grande audiência, como concursos de miss e festivais de música (muito concorridos então), mas precisava de autorização do meritíssimo senhor juiz ‘de menores’, como soía denominar-se no tempo do Código de Menores, vigente à época, que chancelavam sem hesitação. Era dos campeões de cartinhas sentimentais de ouvintes que se declaravam apaixonadas pelo misterioso dono da voz. Por causa de seu bom gosto na seleção musical, Daniel Lopes, que ouvia sempre a opinião de Luiz Gonzaga Bezerra e de Amir Fernandes, o designou diretor musical da Pioneira e um dos apresentadores do noticiário, Rotativa Noticiosa.
Em 1974, ele integrou a equipe de radialistas e jornalistas que cobriram o concurso de Miss Mato Grosso em Aquidauana. Quase não volta: o dono de uma das emissoras da cidade sede do concurso ficou tão empolgado com a performance do jovem locutor que fez de tudo para que trabalhasse lá. Não conseguindo seu intento, o designou representante da emissora na recém-criada Agência Mato-grossense de Imprensa (AMI), e assim, uma espécie de correspondente em Corumbá, ele precisava gravar diariamente as notícias a serem levadas ao ar pela coirmã aquidauanense.
Ao contrário da Rádio Clube, de onde Juvenal era oriundo, a Difusora Mato-grossense não dispunha dos recursos tecnológicos ‘de ponta’ que a emissora da família Anache adquirira. Na urgência do envio do material gravado vez por outra não faltavam problemas, mas acabavam contornados pelos desafios constantes das inovações jornalísticas. Além das lendas vivas com quem conviviam e recebiam importantes conselhos profissionais que até hoje recordam com gratidão, como o experiente radialista Onofre Bueno da Silva, cujo epíteto era O Papa do Rádio, responsável, no final da carreira, pelo programa de fim de tarde Ave-Maria, na Rádio Clube, às vezes com a participação do tenor Lincoln Gomes.
Um dos mantras mais ouvidos na Pioneira era de que o talento é capaz de superar as limitações dos velhos e superados equipamentos. Embora dispusesse de auditório (pois a Difusora era do tempo dos programas de auditório, ao vivo), só contava com um estúdio, até então não gravava jingles (eram gravados no estúdio de um locutor veterano, Carvalho Sobrinho, em sua residência). Em compensação, sua transmissão cobria todo o Pantanal e parte do Paraguai e Bolívia. O próprio Gonzaga testemunhara isso em Cáceres, antes de se mudar para Corumbá.
Graças a esses generosos conselhos, Juvenal Ávila uniu o útil ao agradável: dedicou-se a pesquisar na rica discoteca da emissora mais antiga do sul do estado canções de diferentes gêneros, bem como a trocar correspondência com profissionais da indústria fonográfica, então em franca expansão e desejosa de divulgação. A precariedade acabou dando lugar à conexão com os produtores e diretores das gravadoras mais badaladas.
Walter Silva, Tárik de Souza, Sérgio Augusto, Sérgio Cabral e Sílvio Lancellotti se tornaram ‘íntimos’ para o ainda púbere de voz ‘aveludada’. Adolescentes, os colegas de escola viam Juvenal como exemplo a ser seguido, tamanho o sucesso não só com as ouvintes, mas pela conexão com o ‘mundo exterior’. E, generoso, ele compartilhava sua experiência sem se preocupar com algum prejuízo em seu trabalho, extenuante e de muita responsabilidade.
Em seu tempo no CCC, isto é, na Rádio Difusora, introduziu a vanguardista identificação das canções para o público: nome da canção, gênero musical, nome do(a) intérprete (ou da banda), nome do(a) compositor(a) ou compositores, ano de gravação e selo fonográfico. Ousado, fazia release da canção quando nova. Tudo telegráfico (hoje seria twitteriano), que não cansava o ouvinte, pelo contrário, aguçava-lhe a curiosidade.
É claro que Gonzaga o chamou para fazer matérias para algum dos impressos do CCC, mas o desempenho excepcional na direção musical e na apresentação do radiojornal fez com que focasse sua carreira na radiofonia, que ele alternou com a Psicologia quando ingressou na vida universitária. Mesmo afastado da radiofonia, é referência até hoje, que como colaborador apresentou e dirigiu programas de qualidade em rádios comunitárias.
Juvenal é primo do célebre radialista Antônio Ávila, eternizado na primeira década deste século. Descendente de cuiabanos, sua família veio para Corumbá durante a construção da ferrovia Corumbá — Santa Cruz de la Sierra, e por pouco não nasceu em Roboré, na Bolívia. O pai, Seu Marciano de Oliveira, era mestre de obras, e a mãe, Professora Tereza Ávila de Oliveira, diretora de escola estadual em Ladário. Sua conexão com as ondas do rádio levaram Juvenal a experiências extraordinárias que serviram de esteio para sua trajetória profissional. Hoje, a MPB é mola mestra do foco de recém-aposentado, pois entende que as novas gerações compreendam a história do Brasil por meio de seus gêneros musicais, sobretudo pela diversidade cultural, que faz do país ponto focal planetário.
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