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Roberto Maciel (Betão)

CANTINHO DO BETÃO: CENSO U RADO – MATA O VÉIO (parte 2)

Dom, 23 Abril de 2023 | Fonte: Roberto Maciel (Betão)


Ananias “Boca-suja” abriu a porta da sala 10 do 7º andar lembrando-se que para chegar até lá, galgara uma porrada de degraus, vira coisas do arco-da-velha e tivera que aguardar para ser o último atendido, já quase no final da tarde. O coração já estava a mil por hora e, prostituto da vida, penetrou no recinto onde havia apenas um ventilador virado só na direção do Censor (o ar condicionado por ordens superiores, havia sido desligado, apesar dos quase 40 graus de calor).        

Seu adversário, do outro lado da mesa, caía de boca num geladíssimo sorvete de maracujá enquanto ele, estressado pelo tempo de espera, suando em bicas, a garganta seca que a água quente do bebedouro desligado não conseguira lhe saciar a sede, teve vontade de atacar o Censor e arrancar-lhe o sorvete da mão.

- Pode sentar-se aí – Disse o Censor, sem olhar para ele, jogando o copinho de sorvete, quase pela metade, na lixeira ao lado – Fique à vontade para começarmos a entrevista.    

Ananias sentou-se, acomodou a mala de documentos no colo e só então o Censor levantou a cabeça. Os olhos nos olhos fizeram um laivo de suspense pairar no ambiente.      

Lembranças longínquas dos velhos tempos afloraram-se em ambas as mentes: - A discussão por causa de uma nota e o chute no saco que deixou o Mestre sem a possibilidade de procriar. Ananias sacudiu a cabeça, tirando, por uns segundos, os olhos do Censor que, aproveitando a oportunidade, trocou o crachá de identificação pelo de seu antecessor, que estava na gaveta.  

 Seu Ananias – Disse o Censor, incomodando-se com a insistência do velho Professor que fazia “olhos-de-japonês”, tentando ler seu crachá.

- Vamos começar logo a entrevista, pois nosso tempo é curto. Por favor, seus documentos pessoais.       

Ananias meteu as mãos na mala e atirou sobre a mesa os documentos pedidos, sem desviar os olhos castigados pela jornada magisterial, da fachada do rapaz, procurando, tal qual a visão de raio X do Superman, atravessar a barba espessa do Censor, procurando uma identidade perdida nos áureos tempos do magistério: o adolescente que chutara seu saco. Os da facada e do tiro viraram marginais e morreram em troca de tiro com a polícia. O nome do adolescente safado continuava em sua mente, mas suas feições mudadas pelo tempo, dificultavam a identificação e era questão de honra pegar aquele moleque que destruíra sua chance de ter uma família.

- Ei Tio, para de ficar me encarando. Tá querendo ter um caso comigo?

- Primeira coisa guri, Tio é a (PLIM!) que (PLIM!) – Disse Ananias, para não perder a rima – E além disso, meu passarinho não é minhoca pra ficar comendo esterco para produzir humus. 

Vai olhando logo essas (PLIM!) de documentos que eu já estou prostituto da vida com toda essa viadagem.   

Percebendo que Ananias estava a ponto de ter um,  piripaque, o Censor resolveu pegar pesado no olhar dos outros documentos, só que tudo que ele pedia, Ananias jogava sobre a mesa: Atestado de óbito dos avós e dos pais, registro do primeiro peido, atestado negativo “do teste do trigo”, entre outros. Era pedir, e Ananias jogava o papel na cara do Censor que já estava ficando prostituto da vida, principalmente quando Ananias o encarava e dizia: - Você não me é estranho. – O menino não foi meu aluno na Escola São Domingos nos anos 90?
- Nunca o vi mais gordo, meu amigo e agora, com sua licença, preciso ir ao banheiro.

- Tá com caganeira rapaz? Notei que o moço ficou meio tenso e se avermelhou quando eu perguntei se fora meu aluno.   

Na ausência do Censor, Ananias fuçou as gavetas da mesa, encontrando o crachá com o nome do ex-aluno. Deixou o Crachá sobre a mesa e, junto dele, uma foto antiga do rapaz. Aproveitando para colocar o celular no botão de gravar. – Muito bem Seu Ananias, agora falta o último documento e, como hoje é o último dia do Censo, se este não for apresentado, seu salário será suspenso.    

Ananias gelou quando meteu a mão na mala e não achou a certidão negativa das brincadeiras de “boizinho” na infância.

- É, velho, pelo jeito você tá (PLIM!) e se quiser suicidar-se, a janela está à sua disposição.

- Achei! Tava presa no fundo da mala. Chupa que é de bocaiuva guri e vai me passando logo o documento de comprovação.

Os olhos do Censor bateram no Crachá e na foto sobre a mesa. Pediu licença para ir novamente ao banheiro onde, por telefone, comunicou-se com seu chefe. Ananias, celular em punho, levantou-se e encostou o gravador de alta potência na porta do lavabo.

- Era um gravador celular de última geração, que lhe foi enviado por um antigo cacho, uma chinezinha milionária, de seus velhos tempos de garanhão e que partira definitivamente para a China. Celular Top de linha que gravava até o zumbido de um mosquito no cio a três metros de distância. Possuía ventosas na capa ultramoderna o que facilitava sua aderência, nas superfícies mais lisas.

Obs. Este conto revisto e ampliado será publicado em uma terceira parte. 
            
 

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