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Ahmad Schabib Hany

ATÉ SEMPRE, PEPE MUJICA!

Dom, 18 Maio de 2025 | Fonte: Ahmad Schabib Hany


“Afinal, em que Você gasta o milagre de ter nascido?” Após resistir a um câncer de esôfago, eterniza-se semanas depois do Papa Francisco (e horas antes do mensageiro espírita Divaldo Franco) o emblemático líder revolucionário uruguaio que trocou as armas pelos livros e se tornou um dos maiores estadistas do século XXI.

“Você é livre quando gasta o tempo de sua Vida com as coisas que o motivam, com as coisas de que gosta. Mas ter uma causa, uma paixão, isso leva tempo. É uma filosofia de Vida. E filosofia não está na moda. Porque não custa dinheiro. Mas há muita infelicidade no mundo. Não só pobreza. Há pobreza aqui [na mente] e na alma. Para sentir as coisas, há que dedicar-lhes tempo também. O problema está em que Você gasta o tempo de sua Vida? Em que Você gasta o milagre de ter nascido?”    

Com este trecho representativo das instigantes reflexões do ex-presidente do Uruguai Pepe Mujica, do vídeo compartilhado do Advogado Mário Fonseca, inicio a modesta homenagem ao eterno e terno estadista uruguaio que viveu, conviveu e partilhou de importantes momentos da história do povo brasileiro em toda a sua fecunda existência. Eternizou-se semanas depois do Papa Francisco e horas antes do discreto mas reconhecido mensageiro da paz Divaldo Pereira Franco.  

José Alberto Mujica, Pepe Mujica, conquistou a maioria da população uruguaia sem demagogia. Autêntico, dizendo o que pensa e praticando sua concepção de vida, mundo e sociedade. Bastante lúcido e coerente com sua forma de pensar, pautou sua Vida com severidade e critério, ao ponto de doar 70% dos proventos de presidente enquanto exercia o cargo de dignitário de seu país. Criticava os que diziam ser ele “o presidente mais pobre”, observado que “pobre é quem não consegue satisfazer as suas necessidades”, já ele levava uma vida austera por opção, por convicção.   

Mas o mais importante é que durante seu único mandato presidencial mudou as condições de vida da população: aumentou o poder aquisitivo dos assalariados da base em 250%; baixou para 7% o desemprego, e de 40% para menos de 11% a pobreza em um país que as elites latino-americanas alardeavam ser a “Suíça da América do Sul”. De fato, o país em que Mujica nasceu e ajudou a transformar, era paraíso fiscal, refúgio de sonegadores, exploradores, rentistas e criminosos do mundo inteiro.   

Diferentemente dos antecessores de seu país, muitos contemporâneos na Terra e por certo os maiores estadistas da história, a humildade e a simplicidade são a marca de sua trajetória na Vida. Pepe Mujica se eternizou nesta terça, 13 de maio, a uma semana de completar 90 anos de jornada profícua entre as pessoas do povo, com quem sempre conviveu, lado a lado, tão logo nasceu, em um bairro proletário de Montevidéu.   

Só foi privado desse convívio durante a ditadura de Juan María Bordaberry, ao aprisioná-lo nas masmorras e ter virado refém do Estado terrorista que torturou sem piedade, matou, sequestrou e chantageou seus cidadãos, razão pela qual Bordaberry foi condenado a prisão pouco tempo antes de falecer, e só lhe foi assegurada a prisão domiciliar meses antes de ser expedida a certidão de óbito de um político que, eleito, não hesitou em servir de fantoche para fascistas.

SER, SIMPLESMENTE -     Em tempos sombrios, em que muitos se perdem no narcisismo egocêntrico e burro, atribuindo para si uma importância bizarra, é fundamental lembrar: “Ser de esquerda é ter uma posição filosófica perante a vida em que a solidariedade prevalece sobre o egoísmo.” É como se estivesse entre nós, vendo aqueles que usam sua esquálida biografia para justificar a usurpação de cargos em nome de uma insólita governabilidade. Esta mensagem entre aspas foi compartilhada pela Pesquisadora Débora Calheiros, com propriedade e coerência.   

Assim disse João Guató, no sugestivo Pasquim Cuiabano: “É raro ouvir de um homem público, ainda mais na América Latina, que a vida não é um projeto de poder, mas uma aventura. E que a democracia começa não no voto, mas no respeito por quem pensa diferente. Mujica, vejam só, está nos ensinando a morrer sem perder a ternura — e, mais do que isso, a viver sem perder o senso de proporção. / Enquanto por aqui nossos ex-presidentes escrevem ficções de autojustificação, ele escreve um epitáfio com cheiro de terra molhada e frases curtas. Disse que a vida passou voando, que estamos obcecados por fazer, fazer, fazer — e esquecemos de ser. Ele não está falando só para os uruguaios. Está falando para todos os latino-americanos que acham que felicidade é PIB.” Compartilhamento feito pelo sindicalista e estudioso Igor Alexandre, na emoção de ver se eternizar um velho líder da geração anterior à de seus pais.   

O Jornalista Gerson Jara compartilhou, no grupo de WhatsApp “Jornalistas pela Democracia”, depoimento emocionante de Pepe Mujica, em que, em poucas palavras, sintetiza sua paixão pela vida, pela política e pelos outros, jamais por si mesmo, como em nossos nada generosos dias é comum e até recorrente testemunharmos, inclusive em quadros da esquerda: “Ou Você consegue ser feliz com pouco e leve de bagagem — porque a felicidade está dentro de si —, ou não consegue nada...”   

Essa generosidade e leveza de alma, desde tenra adolescência [aos 14 anos já militava em grupos juvenis de esquerda], o constituiu coerentemente no maior estadista do Uruguai. E depois de apoiar o surgimento de uma organização popular no seio da diversidade partidária, convenceu-se que a transformação teria, mesmo, vir por meio da luta armada. Custou-lhe caro, mais de doze anos de prisão, mas não arrefeceu sua convicção por uma nova nação de bravos, em que as armas dão vez e voz aos livros e à Educação livre e consistente.   

Ao associar a personalidade histórica de Pepe Mujica ao igualmente querido e saudoso Nelson Mandella, o Advogado Carmelino Rezende grifa a dimensão singular dos dois presos por longos anos nas masmorras da intolerância e do arbítrio vigentes em seus respectivos países, não sem chamá-los de cidadãos do mundo: “Após tantos anos de cárcere, libertos, ambos assumiram o Poder supremo em seus países, em eleições livres e democráticas, e, após, tornaram-se ícones dos ideais de liberdade e tolerância, não só perante os seus, mas perante todos no mundo inteiro. Seria de se esperar que, com o poder nas mãos, tentassem implementar seus ideais revolucionários: Mandela a supremacia racial dos negros contra os boêres e os brancos, e Mujica a implantação do socialismo.”   

“Mas não. Mandela convocou um branco (De Klerk) para ser seu Vice na eleição, numa clara demonstração de que seu Governo devia ser o da tolerância, o da África igual para todos, negros e brancos. / Já Mujica procedeu as mais profundas reformas sociais em seu País, porém dentro dos marcos do capitalismo, com diminuição sensível da pobreza, instituindo saúde para todos, garantia de liberdades individuais em seu mais amplo sentido (permissão controlada, por exemplo, do uso de maconha), entre outras tantas reformas. / Ambos foram, cada um a seu tempo, cidadãos do mundo, porque, libertos das grades do cárcere, extrapolaram as amarras de suas próprias ideologias, a favor de um mundo novo, democrático e igual para todos!”   

Mestre em meus anos juvenis, inclusive no CEPES (o saudoso Centro de Estudos Políticos, Econômicos e Sociais  o Amigo Carmelino Rezende revela a grande frustração por não ter conseguido embarcar no voo que o levaria a um memorável encontro com o emblemático líder. “De Mujica guardo apenas uma frustração pessoal: a de não ter podido comparecer a uma audiência agendada com ele em seu sítio, isto porque eu, incorrigível desorganizado com meus pertences, fui impedido de embarcar no voo para Montevidéu, no aeroporto de S. Paulo, por conta de ter me esquecido de portar minha identidade, deixada aqui em Campo Grande. Tive que voltar. Perdi o voo da História!”
   O Professor Helvio Rech, da Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA), é dos brasileiros privilegiados que privaram do convívio desse emblemático dirigente da vanguarda latino-americana que partilhou de momentos ímpares com Eduardo Galeano, Daniel Viglietti e Mario Benedetti. Encerro, pois, a modesta homenagem ao líder latino-americano que abriu os horizontes de pessoas comuns da explorada e traída americalatinidade, de sofrida mas altiva existência e resistência, com a mensagem de Helvio Rech, um dos importantes interlocutores do Movimento UFPANTANAL.    

“Mujica não é apenas um ex-presidente do Uruguai — é um símbolo vivo de coerência, simplicidade e compromisso com a justiça social. Sua trajetória, marcada por décadas de luta, coragem e generosidade, inspira gerações em toda a América Latina e no mundo. / Na UNIPAMPA, sua presença é permanente. A Praça Mujica, com sua estátua serena e expressão firme, está cada vez mais bonita. Mais do que um espaço físico, tornou-se um lugar de encontro, de reflexão e de esperança. Ali, estudantes, professores e trabalhadores encontram um pedaço do mundo que Mujica sonhou e pelo qual lutou: um mundo onde os bens da Terra sejam partilhados, onde a política esteja a serviço das pessoas e onde a juventude seja portadora de utopias transformadoras. / “O legado de Pepe Mujica continuará iluminando os caminhos dos jovens que buscam um futuro mais justo, mais solidário e mais humano. Que sua vida longa e generosa nos ensine, mais uma vez, que a grandeza está na humildade, e que vale a pena lutar pelos sonhos coletivos.”   

Até sempre, Pepe Mujica, e obrigado por ter existido!

Correio de Corumbá

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