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Ahmad Schabib Hany

POR FALAR EM CHARLES DE GAULLE

Dom, 09 Abril de 2023 | Fonte: Ahmad Schabib Hany


Após um avassalador período bisonho de trevas, ódio e ameaças com o inominável de que a Leva Jeito é corresponsável, a volta à normalidade democrática tem sido cheia de escorregões. Como De Gaulle deu não só uma em Quebec, mas diversas derrapadas como estadista que também foi, Lula viveu momentos de saia-justa ao ser mal interpretado por emitir sua opinião sincera sobre a mais recente colheita de Sérgio Moro, verdadeiro porta-voz do fascismo auriverde, que não perdeu a chance de sair do ostracismo.

Lula não tem o direito de ser sincero e emitir sua opinião quando indagado por um repórter sobre um episódio envolvendo os pivôs de sua prisão ilegal, ilegítima e golpista? O fato de Sérgio Moro e Daltan Dallagnol terem exercido, respectivamente, cargos na magistratura federal e do Ministério Público da União antes de ingressar na política não os torna ‘mais imunes’ a críticas de quem que seja: até porque foram eles mesmos os que criminalizaram a política há menos de 10 anos para depois se beneficiar dela.    

Vejamos, também, pelo ângulo humano: Lula já estava com os sintomas de pneumonia — febril e desconfortável —, que o levou a cancelar a sua ida à China. Uma pessoa que realiza uma agenda hercúlea (mais de 48 horas de viagens por diversas regiões do País, SEM MOTOCIATAS) com um quadro infeccioso, quando perguntado sobre um desafeto, tende a ‘ir além’ em sua resposta. Ser sincero pode ser uma ‘bola fora’ (ou ‘gol contra’, no dizer de muitos analistas políticos), mas nem de longe é crime ou indício de crime.

O episódio não agradou a aliados e simpatizantes de Lula, e deu oportunidade dos quinze minutos de ressurreição do lavajatismo insepulto, que não perdeu tempo para fazer o que sempre fez: política fascista, abjeta, do pior nível (como a tabelinha entre Moro e Dallagnol, em que mentiram à beça e usaram até um correio eletrônico fake com uma conta ‘lulalivre1069@...’ para embasar suas ilações, ou melhor, ‘convicções’, conforme o famigerado PowerPoint do ex-procurador da Leva Jeito). Com maestria, os Jornalistas Chico Alves, do UOL (Moro faz politicagem da pior espécie com o caso do PCC, João Filho, do The Intercept Brasil (Moro mentiu muito para faturar com as ameaças do PCC, esmiúçam essa questão de forma didática, basta acessar os respectivos portais de jornalismo.    

O presidente da República, no uso de suas prerrogativas, não obstou nem interferiu na atuação da Polícia Federal ou do Ministério da Justiça no desbaratamento de tentativas atentatórias ao Estado Democrático de Direito. Diferentemente do palerma covarde que fugiu para Orlando porque sabia de suas ilicitudes durante seu vergonhoso mandato: uma sucessão de prevaricações, desvios de função, procrastinações, desmandos, omissões, abuso de poder, intervenções ilícitas, sonegações, conspurcações e atentados ao longo de quatro anos de desgoverno. O governo da reconstrução nacional em 24 horas abortou o plano terrorista, cujo alvo maior era, obviamente, o Procurador do Ministério Público de São Paulo, responsável pela transferência do líder da organização criminosa para um presídio federal longe do eixo de atuação, todos eles construídos nos governos de Lula e Dilma.    

É compreensível, aliás, que, sobretudo as novas gerações, após experimentar o bizarro período de trevas, ódio e ameaças com o inominável (para o qual o lavajatismo deu a sua significativa contribuição), encontrem alguma dificuldade para assimilar que na democracia todos os agentes políticos podem (devem) emitir opinião com sinceridade e transparência. Foi o que Lula fez, dentro do território que costumava ser do inominável: trata-se de uma atitude corajosa e de empoderamento do civil que usa as suas prerrogativas constitucionais para exorcizar os fantasmas do fascismo. O fato de ele ser o chefe do Executivo não o condena a silenciar sobre um fato que não está de todo explicado e que ao final das investigações poderá surpreender até os mais afoitos do jornalismo lavajatista, saudoso dos holofotes, das matérias plantadas pela Leva Jeito.    

Não esqueçamos de que Lula é, além de experiente político, um estadista convicto em cujos movimentos há passos calculados, precisos, certeiros. Além de inúmeros exemplos eloquentes em seu período de governo de dois mandatos entre 2003 e 2010, a maneira como tirou de letra as diversas tentativas de ‘domá-lo’ antes e depois dos atentados de 8 de janeiro mostra a competência político-administrativa do estadista que o povo brasileiro levou 500 anos para oferecer à humanidade neste início de terceiro milênio.    

Por falar em estadista, Charles De Gaulle, líder do governo de reconstrução nacional da França pós-ocupação nazista durante a Segunda Guerra Mundial, é de uma dimensão política e pessoal muito maior que o nanico Macron, que vive neste momento vertiginoso processo de queda (literal, inclusive) por conta de sua obsessão de querer empurrar para os assalariados a conta da crise financeira decorrente das abissais despesas com a guerra da Ucrânia (só para satisfazer os falcões do Pentágono dos EUA e da OTAN). Contudo, De Gaulle cometera inúmeras gafes públicas (internacionais) em seus longos mandatos. A mais emblemática foi “Viva Quebec livre!” ao encerrar seu discurso quando de sua visita em caráter oficial ao Canadá.    

Às novas gerações isso talvez pareça insignificante, mas é bom lembrar que o Canadá foi uma colônia disputada por dois poderosos impérios — o inglês e o francês —, e Quebec é a ‘província rebelde’ que sempre quis se libertar do jugo colonial inglês, hegemônico no Canadá. E o que aconteceu? Ninguém menos que o presidente francês, em visita oficial ao Canadá, encerrara o discurso reverberando a consigna dos partidários de não apenas conquistar a autonomia, mas a soberania de Quebec. Todo o ocidente ‘caiu matando’ De Gaulle, até porque a rainha da Inglaterra se viu na obrigação de manifestar seu repúdio ante a fala do estadista francês. Em plena guerra fria, o que foi uma festa para a URSS.   

Outra derrapada inesquecível foi durante a guerra contra a Argélia, até então colônia da França (e que os franceses, em sua maioria, se achavam no direito de fincar suas garras por lá e massacrar a população árabe, que lutava por sua independência nacional). Pois o ilustre chefe de Estado de uma potência militar ocidental — tida como baluarte da democracia por causa da Revolução Francesa e seu legado republicano — decidiu de uma hora para outra que recorreria ao poder militar para impedir a independência daquele país africano, quando a maioria dos outros já havia conquistado a sua soberania pátria.     

Indiscutível é que Lula, exausto por ter cumprido uma agenda longa e extenuante, deu a deixa para os arremedos de politiquinhos fascistas e seus incondicionais aliados da mídia corporativa saírem do ostracismo (falsos ‘patriotas’, muito chegados ao amarelo, mas do ouro, da opulência, como denúncias de extorsões e propinas revelam). Como De Gaulle, resguardadas as proporções, deu-se o direito de agir como ser humano que é perante o verdadeiro porta-voz do fascismo auriverde, fantoche dos piores interesses do fétido império em decadência, contra o qual, aliás, De Gaulle foi desde a juventude, razão pela qual a França pós-1945 só teve uma aproximação aparente com os EUA no período de subalternização da Comunidade Europeia.    

A França e a Alemanha são as ‘pedras no sapato’ de Joe Baiden em sua insana aventura contra a Rússia e a China. E o estadista Lula logo estará demonstrando como se faz política internacional para o soerguimento de um país altivo que esteve na penumbra durante os desgovernos do ‘brimo’ golpista e do insólito tantã que envergonhou/enlutou a nação com suas estripulias criminosas e não teve a hombridade de Lula para enfrentar de peito aberto. Não é à toa que o marreco de Maringá e seus assemelhados anunciam investidas com seus amos e senhores para “acabar com o ‘populismo’ de Lula”, isto é, as novas investidas contra o Estado Democrático de Direito, sempre sob o planejamento e o financiamento dos falcões do Pentágono, de triste memória.

Correio de Corumbá

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