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Roberto Maciel (Betão)

CANTINHO DO BETÃO: “ENTERRO”

Seg, 26 Fevereiro de 2024 | Fonte: Roberto Maciel (Betão)


Após a lida na roça e um bom jantar, Seo Alípio juntou as traias e foi pra cama, ao lado da mulher. No quarto vizinho, o filho de 10 anos já dormia tranquilamente.       

Alípio já andava meio encafifado com os sonhos que estava tendo há algumas noites: aparecia-lhe, durante o sono, um rapaz fardado, trajes de guerra, que o conduzia através de uma trilha, atravessava um córrego repleto de cobras peçonhentas e o conduzia até uma nascente, um minadouro e lhe indicava um local onde devia escavar. Todas as noites era o mesmo sonho.        

Alípio, Alzira, mais seu filho de 10 anos, viviam naquele rancho de onde tiravam o sustento da terra, com a roça de mandioca e de abóbora que vendiam na feira e, com o arrecadado, compravam mantimentos e patrocinavam as aulas de artesanato do filho no pequeno vilarejo. Lá o garoto aprendia fazer objetos de cerâmica que vendia na feira, ajudando no orçamento do pequeno rancho.   

Naquele lusco-fusco do entardecer, o sol despencando e lua cheia subindo, Alípio enxugou o suor da testa, abanou-se com o chapéu de palha, sentou-se em um toco de pau, acendendo um palheiro. Foi então que o vulto que o perseguia nos sonhos, voltou a aparecer, fazendo sinal para que o seguisse mato adentro. O luar já começava a dar seu ar da graça e Alípio, sem saber porque, seguia o soldado, até que chegaram à beira do córrego. As cascavéis e bocas de sapo da beirada, começaram a se afastar, dando passagem ao homem estupefato. As sucuris e jiboias do interior da água deram passagem imediata ao homem que continuava seguindo o vulto, agora iluminado pela luz do plenilúnio. Em certo ponto do caminho, o soldado indicou-lhe um lugar onde ele escavasse. Alípio tacou a enxada e depois de meio metro, a lâmina da enxada bateu em algo sólido. Era uma cerca de metal do tempo da guerra. A dita cuja podia ter 30X10X20 e estava repleta de dobrões de ouro.      

Alípio com muito custo, ombreou a arca logo que o vulto sumiu e conseguiu atravessar o córrego sem ser molestado pelos répteis, chegando até em casa, onde tomou um banho e contou a aventura para a mulher e o filho, fazendo-os guardar segredo sobre o achado.        

No dia seguinte, o guri, usando a forja, derreteu alguns dobrões, modelou um vaso que, após seco, foi envolvido por cerâmica e colocado para enfeitar a casa.     

A família escondeu bem o precioso achado e foram tocando a vida em frente, vendendo os produtos da roça, comprando mantimentos e, de quando em vez, o garoto derretia mais alguns dobrões, fazendo mais peças artesanais.
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15 anos se passaram e o menino resolveu seguir sua vida, partindo para um vilarejo mais evoluído, pra mode poder continuar a aperfeiçoar sua arte e continuar seus estudos para poder, mais tarde, ajudar os pais, agora já bem idosos. Alípio deu-lhe mais alguns dobrões para que ele derretesse e usasse para tocar a vida em frente, enterrando o restante numa vala feita no interior do chiqueiro.
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O destino sorriu para o Gilmar que, com seu trabalho de ourivesaria ia tocando a vida e, de quando em vez, mandava um dinheirinho para os pais. Ficou com uma e para agradá-la, deu-lhe um belo broche de ouro e ela, curiosa, vendo o trampo do namorido, através de agrados sexuais, fê-lo abrir o bico sobre o achado dos pais.
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- Meu querido: - Doença grave de meu pai, fez-me ir, com urgência para visitá-lo. Volto “em breve”, era o que dizia a missiva na mesinha de cabeceira.        

3 dias depois, como a mulher não voltasse, resolveu visitar os pais e pegar mias alguns dobrões pois estava tendo muita encomenda. Pegou a caminhonete e tomou rumo.
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- Fala, velho filadaputa, senão degolo sua mulher – era a mulher de Gilmar, agarrada nos cabelos do Alípio enquanto um de seus irmãos segurava a mulher e outro, segurava o velho. Seu filho me contou do achado e queremos saber onde você escondeu o restante do ouro.

- Ta bem, eu falo. Jurei guardar segredo, mas diante dessa ameaça, vou falar tudo.

E Alípio, sentindo-se indefeso, disse que havia encontrado um tesouro na trilha do mandiocal, ao lado oposto de um córrego, mas, não pegara o suficiente para o dia-a-dia, deixando o restante no lugar, indo lá de vez em quando, pegar mais um pouquinho.
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A caminhonete de Gilmar ia entrando na curva quando ele ouviu dois disparos. Tacou pé no acelerador e, ao chegar no rancho, só encontrou os pais mortos. Nem quis saber de sair ao encalço dos assassinos. Correu para a polícia pra mode denunciar o crime e retornou com um batalhão da polícia. Enquanto o delegado e os peritos verificavam os corpos, outro grupo dava buscas pelas redondezas, até que encontraram, na beira do córrego, os corpos dos dois homens e o da mulher, todos eles picados por diversas cobras.   

Comprovada a culpa dos meliantes, Gilmar enterrou seus pais e colocou o rancho à venda. Antes, voltou lá e catou todas as lembranças, inclusive os vasos de cerâmica que enfeitavam a prateleira. Jogando tudo na carroceria da caminhonete e, quando ia saindo, viu uma intensa luz num cantinho do chiqueiro. Cavou e de lá tirou a pequena arca que ainda continha vários dobrões.
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Passados uns três dias, o fazendeiro, vizinho de seus pais, propôs compra do rancho, oferecendo por ele, um bom dinheiro pois queria aumentar as suas terras.
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Gilmar continuou seu negócio que começou a prosperar, comprando ouro e prata e, logo recebeu proposta de sociedade de um vizinho, também ourives de mão cheia e que dizia ter achado em suas terras, um “enterro”.      

O homem tinha uma filha muito bonita e boa na arte e, logo, a ourivesaria caminhou de vento em popa.    

O papo sobre os “enterros” correu de boca em boca e logo, fazendeiros de outras regiões investiram em terras na pequena cidade que, na realidade era um verdadeiro paraíso em pesca, caça e propícia para a lavoura e a pecuária.

Correio de Corumbá

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