Roberto Maciel (Betão)
CANTINHO DO BETÃO: O CASÓRIO DE ANFOCLES, MAIS CONHECIDO COMO FOFÓ
Dom, 18 Fevereiro de 2024 | Fonte: Roberto Maciel (Betão)
As arrumanças ainda estavam no início quando eu e Seo Nhonhô chegamos. Gilson Cara de Bode e seus novos sócios Orlando Cabeça de Porco, especialista em suínos e Jorginho Pelanca, o homem que transformava as pelancas em um delicioso caldão, estavam à toda.
Gilson nos levou à mesa onde já estavam abancados Herculano, o italiano Trovoada e seu pé-de-bode. Carnes e mais carnes assavam nos grandes espetos de madeira enquanto, num fogão improvisado com tijolos, purulavam pelancas e ervas escolhidas a dedo por Jorginho Pelanca, espalhavam seus aromas pelo ambiente. Em uma mesa mais adiante estavam o Padre que realizaria o ofício e seus ajudantes, bebericando um delicioso licor de bocaiúva. O altar já estava arrumado, assim como o tapete vermelho, desenrolado de ponta a ponta, até a entrada do bar.
Herculano, logo de cara já me ofereceu o babado todo: - há um ou dois meses atrás, o noivo, Fofó fora contratado para uma boa empreitada na fazenda do Coronel Teodoro. Anfocles, com seus 1,40 de altura, não deixou a peteca cair e, em pouco tempo deixara brilhando dois chiqueiros e um curral. O Coronel pediu a ele que fizesse um bom roçado em grande área pois, muito em breve iria plantar mudas de colonião para a cria de mais gado. Com pouco tempo de trabalho, tornou-se um chegado na fazenda e bateu olhos na filha do Patrão. Olhar correspondido, iniciaram namoro sério e daí foi só um passo para o pedido de casamento. O Coronel, vendo no rapaz de baixa estatura, um bom trabalhador, logo abençoou os noivos e marcaram a data do casório para breve, o que desagradou ao Capataz que também era apaixonado pela moça.
Seo Nhonhô, a dentadura dentro do copo de pinga, olhava de um lado para outro, como se estivesse procurando alguém. Estava com um bermudão foló, sem cuecas por baixo, para deixar o passarinho mais à vontade durante o baile. Logo depois chegou Osni Bambuzeiro, o Eremita, com sua carrocinha movida a pedal, sua companheira inseparável, a gambá e o índio, cabra alto, corpulento que, segundo contam, se transformava no Curupira nas noites de lua cheia.
Osni trouxera vários presentinhos artesanais para os casantes.
A comilança começou a ser servida, sendo na entrada, o famoso caldão de Jorginho Pelanca que, segundo diziam, era afrodisíaco e até levantava defunto. Trovoada posicionou-se com seu pé-de-bode e o Padre mais os Coroinhas colocaram os fones de ouvido. Era a chegada de Anfocles, todo de terno branco com um cravo vermelho na lapela. Chegaram também, em seus cavalos, o Capataz e mais 10 asseclas escolhidos a dedo e armados de chicotes e pedaços de pau, postando-se na entrada à espera do noivo que logo foi cercado, mal tendo tempo de subir os primeiros degraus e o pau começou a quebrar. Cada vez que Fofó levantava e jogava habilmente as pernas, eram dois que iam para o chão. O índio ia só recolhendo os desfalecidos, jogando-os na carrocinha de Osni e, após cair o décimo, usando 3 pedaços de bambu, o índio trancafiou os 10 na carroça. Foi então que chegou o Coronel com a noiva que, prontamente dirigiu-se aos enjaulados, dizendo: - Agora saiam daí, peguem seus cavalos e vão dormir em alguma currutela e só passem amanhã na fazenda para receberem o pagamento. Entregou a noiva nas mãos do noivo e disse: - Este sim, é homem digno de minha filha e, como dote, eles poderão escolher alguns acres nas minhas terras, umas 300 reses e seu Anfocles irá de hoje em diante, gerenciar minha fazenda.
Após a valsa dos nubentes e os brindes de praxe, o bailão começou, com um conjunto paraguaio. A cunhaporã já catou seu Nhonhô e quase não deu tempo dele, colocar a dentadura, mas, o “barraco” já estava quase armado por conta das duas cumbucas de caldo de pelanca.
Um Mestre de Capoeira da colônia baiana, desafiou Fofó para uma demonstração amistosa. Convite aceito, os berimbaus entraram em funcionamento e a dança capoeirística foi aplaudida em pé.
As múltiplas atrações foram se arrastando noite afora, até que Osni e a gambá caíram devido ao efeito etílico. O índio ombreou-os até a carrocinha e, após despedir-se de todos, saiu arrastando a mesma mata adentro.
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