Roberto Maciel (Betão)
CANTINHO DO BETÃO: O MISTÉRIO DO SÍTIO - parte 2
Dom, 04 Junho de 2023 | Fonte: Roberto Maciel (Betão)
Fiquei encafifado quando Hiroto, o Capataz respondeu à minha pergunta sobre o porquê de não haver mais peões na fazenda, mostrando-me o estranho túmulo no pequeno cemitério. O único que se destacava por ter sobre ele um terço com contas de aço e um crucifixo de prata na ponta, ocupando quase todo o seu comprimento. Será que havia alguma entidade presa ali? Algo de sobrenatural?
Nos dias que se passaram não comentei nada com SeoNonhô que estava super feliz com sua lida no corte de cana, na moagem e na destilação da garapa para o fabrico da boa pinga que era acondicionada em barris e deixada a curtir na adega. Seu burrico estava todo frosó pois Hiroto o colocou num piquete com duas jovens éguas no cio. Era para tirar uma boa cruza pois o jerico com égua dá mula e mula é mais resistente e serviçal, melhor do que um cavalo.
Com o passar dos dias, Juninho acabou conquistando a amizade da velha Anunciata que lhe preparava comidinha gostosa todas as noites. Nos serões que fazíamos após o jantar, até Anunciata participava com Juninho no colo. Preparávamos os compromissos do dia seguinte e quando os outros se recolhiam, eu ficava matutando o grande mistério do túmulo com o enorme crucifixo de prata sobre ele.
Naquela manhã, dia de pagamento, eu e Hiroto fomos ao bar do Gilson Cara de Bode para encontrarmos com Herculano, o herdeiro do sítio e receber a pacoteira. Ele me disse que, em breve, estaria se aposentando e iria assumir definitivamente a liderança do sítio. Eu lhe disse que aquelas terras eram muito profícuas e com mais uns dois ou três peões de fibra, a produção cresceria. Ele, Herculano, explicou-me que aquelas terras ficavam em área vulcânica e, por isso a terra era muito produtiva, mas, de vez em quando, com mudanças de tempo, havia alguns abalos sísmicos, mas que não atingiam nem meio ponto na escala Richter. Nada que fosse tão preocupante, mas isso afastava os que ali quisessem trabalhar, ainda mais com aquele túmulo misterioso.
Quando voltamos ao rancho, a mulatinha Saboró já nos esperava na varanda com uma garrafa da boa cachaça e uma tijelinha de lambaris fritos. Disse que Seo Nhonhô e Anunciata estavam preparando um prato diferente para o almoço. Juninho já estava empoleirado no meu colo, arfando, com um metro de língua de fora e, segundo Saboró, ele havia tomado um carreirão do cachaço por estar perseguindo os leitõezinhos na área do chiqueiro.
Degustando minha cachaça em companhia de Hiroto e do Caseiro Pulcherio, eu olhava o horizonte e percebia a formação de nuvens negras que se aproximavam.
- Depois do almoço – disse Pulcherio – vamos colher milho, prender as vacas no curral e os cavalos na baia e rezar para que não aconteça nada de grave pois, com certeza, vai haver tempestade e tremor de terra.
Após o almoço, um Quiaxixe com Bagre feito a 4 mãos e um descanso de meia hora, caímos no trampo, colhendo uma carroça de espigas de milho e umas abóboras para a comilança da porcaiada no chiqueiro. Uma parte do milho seria seca e debulhada pra mode alimentar a galinhada e outra era para uso interno, na feitura do curau, pamonha e nas comidas do almoço.
O trampo terminou já no lusco-fusco da tarde, quando os raios do sol começavam a desaparecer entre as nuvens plúmbeas que, aos poucos iam tomando conta do céu.
Após o leve jantar, uma assadeira de sopa paraguaia. No serão do anoitecer, Anunciata após dar uma boa beiceada na cachacinha, disse que não queria saber de aposentadoria, queria ficar servindo o novo Patrão, como havia servido seu pai e seu avô, e o mesmo foi confirmado por Pulcherio e Hiroto.
A passarada começou fugir para seus ninhos e a galinhada a procurar abrigo em seus poleiros. As leiteiras mugiam e os cavalos se ajeitavam na baia, assim como o burrico de Seo Nhonhô. Fui para o meu quarto com Juninho e Seo Nhonhô fez o mesmo, assim como os demais habitantes da fazenda. Acendi meu lampião e, sentado na cama, fiquei escrevendo sobre o ocorrido do dia enquanto Juninho se acomodava no meu travesseiro.
Lá fora o tempo parecia ter enlouquecido, como se o céu estivesse revoltado e castigava a Terra com raios e trovões. Quando fui fechar a janela do quarto, um enorme clarão lá pros lados do cemitério veio acompanhado de um raio poderoso. Senti que o chão começou a tremer levemente, sacudindo minha mesa de trabalho e derrubando meu copo de cachaça.Juninho, amedrontado, foi parar embaixo da cama. Ouvi batidas na porta. Era Seo Nhonhô pedindo guarida, dizendo que sua cama estava tremendo e suas botinas pareciam sair andando pelo quarto.
- Calma, Velho – disse eu – não há motivo pra nenhum escarcéu só por causa de um tremorzinho de terra. Isso vai passar logo.
- Putaquipariu, Seo Moço, toda vez qui saio cocê pra arguma aventura, ieu é qui acabo mi lascano.
Não comentei nada a respeito do túmulo misterioso pois, senão o Preto Velho se borraria todo.
O temporal durou só mais alguns minutos só deixando na sua rabeira uma garoa fina, tanto é que, no clarear do dia, o sol já brilhava no firmamento. – Vamos lá moçada que o café já está na mesa. Era Anunciata, nos despertando.
O café quentinho e a sopa paraguaia da hora, nos animou para a lida. Os cavalos já estavam selados, assim como o burrico atrelado na carroça. Pulcherio já estava vindo da ordenha com dois enormes baldes pejos de leite da hora, pronto para receber o coalho e se transformar em queijo.
Saí com Hiroto em busca de alguma rês desgarrada e Juninho ia como batedor. Na altura do cemitério ele partiu para lá e o encontramos cavando uma rachadura bem acima do túmulo misterioso. O raio de ontem à noite havia caído diretamente sobre a cruz de prata, derretendo-a e o tremor de Terra abrira uma fenda, na qual Juninho cavava. Corremos até lá e, no buraco havia uma pequena arca que abrimos e, dentro dela havia dólares e uma carta dirigida ao único herdeiro do sítio que, por sinal, estaria chegando lá, hoje a tarde, para tomar posse e pagar a aposentadoria dos empregados.
Seo Nhonhô, que passava lá por perto com a carroça lotada de mandioca, nos ajudou a transportar a arca até o rancho. Chegamos bem na hora do almoço ainda com meia hora para tomarmos uma boa cachacinha.
Aguardem, na próxima semana, a parte final desta eletrizante história
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