25 ℃

Roberto Maciel (Betão)

CANTINHO DO BETÃO: SEO SÓ

Qui, 07 Dezembro de 2023 | Fonte: Roberto Maciel (Betão)


Na soleira da porta do tosco ranchinho ele dedilhava sua viola enquanto esperava o sol desabar no poente e a água da chaleira no fogão à lenha aquecer pra mode cozinhar uma jantinha.  

Entretido nos acordes, Solano começou a relembrar como e porquê lá estava, socado naquele oco de mundo tal e qual fugitivo da justiça. Tudo acontecera há muitos anos, ainda em sua juventude, por causa de um perrengue com um nordestino cabra da peste que, num bar, numa rodada de sinuca, saíra com ele num arrancarabo mas o cabra, bom de peixeira, acabou por levar vantagem e lhe cortar, num só golpe, os dois bagos. Acudido às pressas, Solano conseguiu safar-se com vida e, arrumando as malas, partiu em rumo desconhecido, só parando num vilarejo onde, devido a seus préstimos de changueiro e sua habilidade na viola conseguira a estima de um posseiro que lhe ofereceu pousada, bom salário e um ranchinho onde pudesse repousar o esqueleto após um dia de lida, desmatando, plantando e colhendo.    

No Vilarejo era conhecido por Seo Só pois sempre vivera solitário, sem mulher e nem frequentava a zona de baixo meretrício. Nos finais de semana selava seu burrico e, de viola no costado, descia para o boteco pra mode degustar umas pinguinhas, umas cervejas e comer churrasco, fazendo a diversão dos presentes tocando chamamés na viola sempre bem afinada. Vez por outra, seu patrão o levava na caminhonete, pagando toda a despesa sem descontar no salário. Era bom de sinuca, mas nunca jogava a valer pois esse tal de jogo sempre levava a desavenças. Também era bom no carteado e sempre entrava numa roda de truco.      

Era assim a vidinha calma de Seo Só, desmatando, plantando e colhendo em troca de salário, casa para morar e alguns mantimentos para fazer seu ranguinho diário, quando não almoçava na casa do Patrão.   

Eu e Seo Nhonhô chegamos ao entardecer naquele Vilarejo, já sabedores da fama desse paraguaio solitário e arrumamos hospedagem numa pequena pensão próxima ao boteco e, mais tarde, depois de nos acomodarmos, partimos para lá, pois sabíamos que Seo Só lá estaria, divertindo os clientes com seus chamamés bem afinados.    

Já estávamos na segunda cerveja e, pra variar, Seo Nhonhô com a dentadura tafuiada num copaço de pinga, esperávamos uma rodada de churrasco. O Boteco estava lotado e, a nosso pedido, Seo Só veio sentar-se e fazer-nos companhia e, a cada intervalo musical, contava-nos um pouco de sua história.  

Presentes no boteco estavam um sargento e dois soldados que aproveitavam sua noite de folga.  

Rolou um bailão e Seo Nhonhô, bermudão foló pra mode deixar o passarinho mais livre, chamamezava com uma das frequentadoras, dando o maior show de dança, sendo intensamente aplaudido pelos presentes.   

Daí a pouco chegou o posseiro que empregara Seo Só, enturmando-se conosco na cervejada e no churrasco. Logo apareceu uma sanfona e, então, o bailão animou.  

Quase ao beirar do final de expediente no boteco, dois cavaleiros apearam. Tinham sotaque nordestino e se dirigiram a nossa mesa.
-Então tu tá aí, seu chibungo capado. – Nós viemos, a mando do Patrão para acabar o serviço e levar sua chibata pra ele dar pros cachorros e depois vamos te sangrar pelo que você fez à filha dele, tirando sua virgindade nos tempos de escola.
- Mas foi consensual – disse Seo Só – A vingança já foi cumprida, pois você me arrancou os bagos. – Agora, vão embora e me deixem em paz.
- Se alevanta pra morrer, seu Cabra da Peste – disse o nordestino e, de faca em punho, partiu para cima de Seo Só.
  Os policiais que ainda se encontravam presentes, sacaram suas armas, dando voz de prisão aos atacantes que, algemados, foram levados à delegacia.
- Toma cuidado, Seo Só, pois não poderemos segurar esses caras por muito tempo pois o Patrão deles é poderoso lá no Nordeste e eles irão à sua procura logo que forem libertados.   

Os ânimos acalmados, ficamos pensando no destino de Seo Só. Lá ele não poderia mais ficar e o seu Patrão tinha medo de represálias. Foi então que resgatamos Seo Só após negociar com o posseiro que lhe deu uma boa ajuda de custo pelos serviços prestados e nós, após amarrarmos seu burrico na traseira da carroça de Seo Nhonhô, partimos para VILA UTOPIA.   

Hoje, Seo Só vive tranquilo na Vila, morando num ranchinho na propriedade de Turco Preto auxiliando -o nos afazeres do bar, por ser bom churrasqueiro e sempre está animando as tocatas no Coreto da Praça, no Cortina Suja e no Bordel de Maria Cachorrinha.

Correio de Corumbá

SIGA-NOS NO Correio de Corumbá no Google News

 
 
 

Veja Também

CANTINHO DO BETÃO: O MASCATE SALIM

Salim já nascera na boleia de um caminhão de Mascate e, assim que sua mãe morreu e o pai o abandonou ao deus dará, resolveu ser Mascate, percorrendo as fazen...

CANTINHO DO BETÃO: BONECA DE PANO

- Pai, pai, encontrei este galho bonito e, se bem enfeitado, vai dar uma bonita árvore de Natal.        Aníbal havia acabado de chegar da lida da roça. Semea...

CANTINHO DO BETÃO - ASSOMBRAÇÃO

Samuel e Anita estavam em visita à fazenda do pai dela. Haviam se casado há poucos dias e ficaram babando com a natureza rupestre, bem diferente da vida da c...

CANTINHO DO BETÃO: VENDAVAL

O sol já ia se pondo assim que Alípio saiu à varanda do rancho e sentou-se na cadeira de balanço. Trazia um copinho de pinga para acalmar os nervos que já es...

Últimas Notícias